Bugio

Bugio

Tão perto e  tão longe. O bugio é uma peça arquitetonica cheia de história. Vale a pena conhecê-la.

Não precisamos de fazer nenhum assalto, o Bugio é nosso… Sentimentalmente nosso. Para já, basta.

Podemos não pensar muito no Forte e Farol do Bugio, ou simplesmente Bugio, como é amiúde tratado, mas ele está enraizado na paisagem marítima que temos de qualquer parte da linha da costa do concelho de Oeiras. Está lá, simplesmente está lá e gostamos quando, ao espraiarmos o olhar para o azul do horizonte, o temos de frente.  

O Bugio nasceu como forte, num tempo em que a proteção do reino era assunto de primeira demanda, embora nem sempre sendo um tema estanque: "Em Maio de 1580, com planta delineada por Filipe Tercio ergue-se na ponta do areal virada a nascente um forte de madeira que teve por função defender o canal da Trafaria", no entanto, este projeto embrionário do Bugio não chegou a ser cumprido. Dez anos mais tarde uma nova experiência tem a luz do dia " A segunda experiência é lançada dez anos depois. O objetivo, bem definido, era o de construir no extremo poente do areal, em posição fronteira a S. Julião, uma fortificação que permitisse fechar a barra do Tejo com fogo cruzado". E é assente nesta natureza que o pequeno monte de areia começa a ter sobre ela as fundações do forte que, digamos em abono da verdade, não foi tarefa fácil. Perdi a quantidade de arquitetos, de engenheiros, de engenhocas com ideias de como vencer a fúria das marés, dos ventos, da instabilidade do areal e realizar-se uma obra segura e forte. Desde cedo os problemas surgiram, não só os que à Mãe Natureza dizem respeito, bem como aos mais mundanos como, por exemplo, a falta de verbas. Quanto à primeira dificuldade a ideia era ultrapassá-la realizando a obra nos meses de Verão, aqueles onde o sol e o mar ameno perduram. Mas nem a gana de 400 homens foram suficientes para avançarem a ritmo pretendido " À força destes opunha-se a do mar, que umas vezes desfazia o que se obrava, outras impedia que se prosseguisse com a construção". Primeiro, orientado para defender a Trafaria, mais tarde para defender a entrada dos barcos menos amistosos da barra do Tejo. O Bugio, como forte, foi crescendo, entre vontades contraditórias de quem, sobre ele, tinha poder. No entanto, o seu propósito defensivo foi, nos meados do século XVII, distendido também para função de orientar "Entre as transformações introduzidas uma se destaca: a existência de uma torre central, bem elevada, em cujo topo, em ano incerto da segunda metade do século XVII, se placou a lanterna pétrea de um farol. Não sabemos a quem atribuir a decisão de aproveitar a posição estratégica do local para sinalizar a noite aos mareantes e pescadores (…) a partir de então, a Cabeça Seca passou a ser referenciada como forte e farol (…)". Arquitetonicamente falando, o Bugio é profundamente eclético "Ao contrário do que se poderia supor, o forte que chegou aos nossos dias não se esgota no discurso construtivo seiscentista. Dito por outras, a obra que se conserva é arquitetonicamente híbrida (…)".  Embora tenha "crescido" imbuído em inúmeras alterações, discussões, dúvidas, a verdade é que o Bugio, após ter deixado de ter funções militares, começou a ser alvo de outras funcionalidades, algumas das quais bastante caricatas. Uma delas foi protagonizada pelo empresário Francisco de Almeida Grandella e C.ª, que imbuído de um espírito publicista, conseguiu autorização para utilizar a luz do Farol para anunciar cintos salva-vidas com os seguintes dizeres: "Não mais a náufragos! Cintos de Salvação! Grandes armazéns Grandella e C.ª". No mínimo é caricato.

Mas mais curiosa ainda é, sem duvida, a 'brilhante' ideia que o Ministro da Marinha, em 1961, propôs à Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a substituição da torre do farol por uma estátua de Nossa Senhora da Conceição, que passaria a possuir, como coroa, a lanterna do Bugio. Ficamos imensamente gratos por esta pretensão ter sido recusada.

O Bugio foi alvo de muita incompreensão, discussões e vontades, mas também sempre nele, se detiveram olhares, gostos e admiração. Amiúde a questão de quem pertence vem a lume, mas como afirma Manuel Boiça no seu livro "O Forte e o Farol do Bugio": " A questão em torno da pertença, territorialmente falando, do forte e farol, se a Oeiras, se a Almada, não tem cabimento histórico. Nem quando o Bugio era apenas uma fortificação, nem quando passou a ser também um farol exerceu Almada jurisdição de que tipo fosse, nem nunca reclamou nesse sentido. Aliás, nem tinha como nem porquê. Do ponto de vista militar, do aprovisionamento e das comunicações sempre o forte dependeu da margem norte, fosse em relação a S. Julião da Barra, a Paço de Arcos ou à Divisão Militar de Lisboa". Então, está tudo bem. Não precisamos de fazer nenhum assalto, o Bugio é nosso… Sentimentalmente nosso.


Origem das notas:  Boiça, Joaquim e Barros, Maria de Fátima in "O Forte e o Farol do Bugio", Fundação Marquês de Pombal, 2004