Tiago Beirão

Tiago Beirão

03 jan 2017
  • cidadania participativa
foto

 

Vivemos numa época onde somos mais exigentes, mais críticos, mas isso faz de nós mais comprometidos com a terra que habitamos? Não, muitas das vezes (demasiadas vezes?) não. Vamos tomar o exemplo do Tiago Beirão e refletir. Refletir e mudar, de preferência

 

O Tiago é uma pessoa que dá do seu tempo e do seu saber à comunidade em que se insere. Sempre foi assim?

Não. Há uma mudança em todos nós quando temos filhos. Foi um clique imediato, confesso, quando nasceram as minhas filhas. E é esse clique que me despertou para a comunidade onde nos inserimos, onde habitamos. Um dos primeiros pensamentos é criar um ambiente seguro e saudável onde eles possam crescer.

 

E essa sua intervenção começou no jardim-de-infância?

A minha filha mais velha tinha acabado de sair do infantário da Santa Casa da Misericórdia, o Bambi, onde ela tinha adorado estar. Depois foi fazer um ano no pré-escolar da escola pública, em Linda-a-Velha, e ela não gostava da parte do ATL, onde estava a partir das 15h30. Na realidade eram quatro pavilhões com alcatrão à volta, onde não existiam árvores e as atividades eram muito de interior. Nessa altura houve eleições para a Associação de Pais e eu disponibilizei-me para ajudar no que fosse necessário. Sou agrónomo de formação e olhei para o espaço exterior e achei que poderia ser intervencionado, torna-lo mais apelativo para os miúdos.

Soube logo o que queria fazer?

Não, não soube. Mas o JI tinha um Parque infantil degradado e tinha umas grades. E eu dizia que era o mesmo que colocarem um bolo de chocolate e meterem umas grades e os miúdos olharem para o bolo mas não o poderem comer. E esse foi o primeiro alvo que pretendemos alterar. Então pensamos reutilizar os canteiros que o espaço tinha e que estavam com ervas daninhas.

E o que fizeram?

No canteiro que tinha as ervas daninhas e que estava acessível às crianças limitamo-nos a limpar e a deixar lá plantas ornamentais.

E quem limpou, foi a associação de pais?

Foram os pais que quiseram aderir em conjunto com os miúdos. E no restante espaço que tinha um muro, quisemos fazer uma horta, mas uma horta aberta aos miúdos.

E os miúdos não estragavam?

Não, eles estiveram envolvidos na sua construção e elaboração e são os primeiros a cuidarem da horta e a respeitarem-na. As mudanças que efetuamos também servem para isso: perceberem a natureza e respeitarem-na.

E apoios, tiveram?

No início, quando pensamos em remodelar o espaço estávamos numa altura em que a onda da crise ainda não se fazia sentir. Então pensamos em tudo o que queríamos fazer e alterar e mudar e o bolo final dava um valor de sessenta mil euros que fomos pedir à junta de Freguesia. Mas já não havia dinheiro. E esta foi efetivamente a nossa primeira barreira.

Mas não se deixaram ficar?

Obviamente. Pensamos, vamos fazer na mesma mas dentro daquilo que são as nossas possibilidades. Mão-de-obra arranjamos, que são os pais e os amigos, os materiais tentamos arranjar de uma qualidade inferior, mas manter o que estava não era solução. Pedimos autorização à divisão de educação da Câmara de Oeiras, marcamos um dia, que era um sábado, e com churrascada lá metemos mão na massa.

Temos de meter sempre um bom churrasco!

Sempre, à boa maneira portuguesa. Foi um dia inteiro de grande trabalho.

E quanto acabaram por gastar?

Dois mil euros (risos). Mas atenção que reabilitamos apenas cinquenta por cento do espaço.

A ideia com que se fica, muitas das vezes, é que passado o período inicial de alguma euforia, sucede-se um abandono das hortas ou do trabalho.

Há alguns casos mas no modelo que adotamos isso não se veio a realizar. Realizamos duas plantações, uma no outono e outra na primavera. E são os miúdos que cuidam dela.

Mas não se limitaram a ter uma horta, também têm animais.

Sim, temos galinhas, coelhos, pássaros… No canteiro onde havia as ervas daninhas, passou por uma fase onde tínhamos um pomar e era perigoso e optamos por colocar animais. Neste momento uma galinha já chocou quatro pintainhos.

O que fazem com os animais?

Os coelhos são domésticos, mas as galinhas colocam os ovos que são vendidos. Temos uma parceria com uma clinica veterinária que é a ExoClinic que vai lá duas vezes por anos fazer a vacinação e tratamento dos coelhos.

E os produtos da horta também vendem?

Algum é para consumo dos miúdos na escola e outro é para se vender. O dinheiro arrecadado é para se adquirir objetos que os miúdos precisem ou queiram, já se comprou uns matrecos, um insuflável, livros… o que se achar importante. 

É fácil arranjar ajuda para os projetos que vão elencando no seio da comunidade escolar?

Para projetos pontuais arranja-se sempre quem esteja disponível, mas ajudas constantes já é mais complicado. As pessoas estão com pouco tempo, a crise veio afetar em grande escala o tempo de trabalho e é complicado.  É preciso ajuda de forma continuada pois este projeto já ganhou alguma dimensão, começámos com 50 crianças no CTL, e agora temos 140, e começámos com uma equipa de 4 ou 5 pessoas no CTL e já estamos atualmente com 10, por isso é quase uma pequena empresa., sem o ser. Somos uma associação sem fins lucrativos e tudo o que ganhamos reverte para a equipa, que são funcionários ou para melhoria de instalações.

Vocês costumavam vender aos vizinhos e aos pais?

Sim, eram os miúdos que vendiam. Depois com os resultados da venda da horta compraram para eles uma mesa de matraquilhos, insufláveis,  uns trampolins.

A ideia que eu tinha era que quantos mais produtos tivessem, mais vocês vendiam...

Sim, é verdade. Normalmente esgota-se tudo. Porque além disso procuramos que os miúdos também comam. Houve uma mudança nos hábitos alimentares deles, passaram a comer muitos mais vegetais.

Então o que plantam e semeiam lá?

Tudo, por exemplo agora no Inverno tudo o que é cereais semeamos (aveia, trigo, centeio e cevada). Depois quando vamos a Benavente buscar maçarocas de trigo para a desfolhada, trazemos sempre arroz, que eles nunca tinham visto pés de arroz. Semeamos também couves, alfaces, ervilhas, favas.

Este ano pela primeira vez conseguimos que os nossos ovos fossem chocados naturalmente pelas galinhas, pois foi num mês de férias e as galinhas conseguiram chocar em tranquilidade. Então foi aí que nasceram os primeiros pintainhos lá no CTL.

Sei também que houve outras escolas que na altura quiseram replicar o projeto.

Sim, este ano na Zarco, que é uma escola do agrupamento vamos avançar com uma zona de jardins sensoriais e uma zona de horta pedagógica. Eles têm uma unidade de ensino especial, e quem concebeu esse projeto foi uma professora dessa unidade. Mas a Diretora acabou por querer que este fosse um projeto mais abrangente para todos os alunos. Há pelo menos 2 associações de pais do agrupamento que é esta: Jardim Infância José Martins e Escola Básica Armando Guerreiro. Temos a Associação de Pais da Escola Amélia Rey Colaço, onde temos o projeto da quinta urbana pedagógica, que é uma extensão do nosso projeto da hortinha.  A horta do JI José Martins abrange os miúdos do JI José Martins e da Escola Básica Armando Guerreiro, nós vamos buscar os miúdos e é lá que eles passam as férias. 

O que se passava é que quando os miúdos iam para outras escolas do agrupamento não tinham estas atividades, nomeadamente eles iam fazer o 5º e 6º ano na Amélia Rey Colaço em Linda-a-Velha. Em 2009 eu e o coordenador do CTL fomos a um terreno que estava lá ao lado abandonado, cheio de lixo, era o estaleiro de obra do Alto de Santa Catarina. Então a ideia era fazer lá uma quinta, pois os nossos alunos que passavam para a Amélia Rey Colaço ao início ainda lá tentaram por umas sementes nos vasos mas depois não tinham quem os orientasse nem as ferramentas necessárias.

No fundo nós respondemos sempre àquilo que os miúdos nos pediam, eu fiz a horta porque os miúdos não gostavam do CTL por estarem sempre dentro das instalações. Então tive que pensar num projeto que os trouxesse para o exterior, que foi a tal questão da horta, dos animais, e do jardim dos amigos à entrada do JInfância. Áreas exteriores ajardinadas onde possam estar à vontade.

Então, no caso da Amélia Rey Colaço fomos lá ver o terreno e fizemos um projeto. Por razões financeiras e por alguma falta de apoio institucional foi um projeto que ficou 1 ano na gaveta.

E esse terreno pertence a quem?

Pertence à Câmara, mas nós na altura não sabíamos. Pensávamos que pertencia ao Ministério da Educação. Depois foi no ano do primeiro Orçamento Participativo de Oeiras, que o Presidente da JF Linda-a-velha convocou as principais associações da freguesia e explicou o que ia ser a ferramenta do OP e disse que apoiava os projetos das associações. Então foi isso que nós fizemos, pegámos no projeto que se chamava Parque Ecológico Pedagógico, era um projeto unicamente direcionado para a comunidade escolar, para os alunos, mas já se tinham passado 2 ou 3 anos. Eu entretanto já estava mais aberto, porque se criam relações de afinidade nestes projetos neste caso com os pais dos amigos dos meus filhos, pessoas da paróquia e outras associações. Ou seja quando voltamos a pegar no projeto fizemo-lo com uma ótica quase comunitária. É verdade que a Escola tem os 4 muros, mas ela não pode ser vedada às ideias. As ideias têm que entrar e têm que sair também.

No fundo é abrir a escola à comunidade...

No fundo nós pais podemos ajudar como parceiros educativos. Quando formulamos esse projeto do Parque Ecológico Pedagógico, ele apresenta-se então como Quinta Urbana Pedagógica, e a Quinta tem 60 talhões individuais, canteiros grandes pedagógicos para os alunos, e tem os canteiros coletivos. Isso tudo para o terreno ao lado da Escola Amélia Rey Colaço.

Mas nessa fase já tinha sido aprovado no OP?

Sim já tinha sido aprovado e votado. E nós tivemos consciência que as pessoas votaram também por ser um projeto com vertente pedagógica, por estar ao serviço dos alunos e dos professores. Entretanto percebemos que o terreno sempre foi do município e nunca do Ministério da Educação, então mais uma vez reformulámos o projeto. Neste momento, começaram às obras há uma semana daquilo que eles chamam a 'primeira fase'. Nós queríamos intervir em 1,2 hectares, mas depois o dinheiro não dava para tudo, são cerca de 80 mil euros. Então optámos por construir apenas a área social, área de convívio, que tem uma área de arrumos, uns alpendres, um forno para cozer pão, e depois tem a parte dos hortelões. Quando nos apercebemos disso ficámos um pouco desanimados, pois faltava toda a parte comunitária. Então durante este ano em que se esteve a orçamentar o projeto e a lançar o concurso, as associações de pais uniram-se também e começámos a intervir na tal segunda parte, que inclui um pomar comunitário, de um bosquete mediterrânico também e a zona dos canteiros pedagógicos e coletivos. Em novembro do ano passado plantámos 68 árvores de fruto. Estamos agora na fase de apadrinhamento das árvores, quem quiser pode ser padrinho.

 

E como é que as pessoas podem apadrinhar uma árvore?

Basta ir ao website e contatarem connosco e depois realizam uma transferência bancária e nós emitimos um certificado e enviamos por e-mail. Nós pedimos um valor simbólico mínimo de 5 euros, embora haja quem dê mais. Temos que fazer face a todos os gastos, só para ir buscar estrume é uma despesa grande. Para a próxima já fazemos de maneira diferente e pedimos à GNR ajuda e vamos também pedir à União de Freguesias. Eu acredito que digam que sim, porque a UF tem sido um grande apoiante, não em dinheiro mas em meios. A própria Câmara de Oeiras também. Por exemplo, quando fizemos o pomar comunitário o ano passado, nós tivemos cerca de 300 pessoas a trabalhar lá ao longo do dia. Foi preciso arranjar ferramentas para todas essas pessoas e arranjou-se.

Quem é que gere toda essa logística? Não deve ser fácil a parte da manutenção...

A intervenção do pomar foi de um dia só, é quase aquele modelo do querido mudei a casa mas só num dia. E quanto à manutenção somos nós associações de pais, e tentamos calendarizar. Na questão do pomar é mais fácil, pois plantámos em novembro e sabíamos que a partir de março tínhamos que ir lá uma vez por semana regar. Nós apostamos na variedade pois sabemos sempre que há determinadas variedades que podem não se dar. Tivemos sempre a ajuda dos bombeiros voluntários do Dafundo, que nos asseguravam as regas sempre que solicitámos. Tivemos um ATL dos miúdos que funcionou no mês de julho, e aí foram eles que regaram com mangueira e balde. Neste momento temos um sistema de rega com caldeiras nas árvores. Esse espaço ainda está em construção.

As pessoas andam sempre a queixar-se de que têm pouco tempo, mas acha que é uma questão de comunicação, que se se falar com as pessoas elas até arranjam tempo para estes projetos?

Umas sim, outras não. Aliás está cada vez mais difícil. NA renovação da nossa lista procuramos pais que têm miúdos no Jardim de Infância para assegurar um período de 4 5 anos até irem para a Escola Básica, e não é fácil encontrar membros ativos de forma continuada.

O JI José Martins tem apenas 70 crianças, a Escola Básica Armando Guerreiro tem 175 crianças, e isto não é fácil gerir. Preocupa-me a questão da continuidade, mas estamos a arranjar forma de eu continuar a colaborar com a associação de pais.

Eu digo que faço isto pelos meus filhos, mas não é totalmente verdade, é que estes projetos são viciantes pois realizam-nos pessoalmente, de modo que acabamos por fazer isso um bocadinho por nós também. A verdade é que também ocupam muito tempo, é muito tempo roubado à família. Implica ir lá ao fim de semana para dar comida aos animais por exemplo. Felizmente acabei por contagiar positivamente alguns vizinhos do Jardim de Infância José Martins.Tenho lá uma vizinha que nos ajuda de forma muito assídua nas férias e fim de semana. E temos também outros colaboradores da União solidária que ajudam e dão conselhos. Por isso temos vários cuidadores que têm acesso ao JI e ajudam.

Se pensássemos um bocadinho mais a nível local, poderíamos fazer mais locais melhores?

O nosso projeto é aberto e quem quiser pode ir lá. Já tivemos algumas visitas de pessoas de Coimbra, por exemplo, que estão muito ligados à comunidade escolar, e que reconhecem que o nosso projeto é um exemplo. E nós de facto gostávamos que este modelo fosse replicado, que houvesse capacidade de copiar o modelo mas adaptado à realidade de cada local. Se me perguntar se cada JI devia ter uma horta, acho que devia, há uns anos não deram os computadores 'Magalhães' para as mãos dos alunos? Porque não pôr antes uma horta? Foi uma pena que na renovação deste Parque Escolar isso não tivesse sido previsto. Sintra também teve um projeto de hortas pedagógicas e inclusive eles fizeram um manual muito bom para orientar os professores. O problema é que tem que haver condições para assegurar os projetos, se não pode ter o efeito inverso e ser muito desmotivante e anti-pedagógico. Por exemplo, os miúdos põe uma alface na terra, estão à espera que ela fique viçosa, mas depois se a mesma não é cuidada devidamente, não haverá bons resultados.

 

 

Já não se imagina a não dar de si à sociedade?

Eu só me imagino a dar de mim à sociedade, eu penso sempre um bocadinho mais além. Do ponto de vista pessoal, aquilo que oferecemos em termos de CTL , o que oferecemos em termos de educação ambiental, gostava de poder oferecer isto à comunidade escolar a tempo inteiro, e não só nas férias e nos tempos livres. A nível pessoal gostaria então de abrir uma cooperativa de ensino ou outra associação sem fins lucrativos, numa unidade que teria também que ter um centro de dia em que estivesse lá a comunidade inteira.

Há uma frase que gosto muito, que pode parecer cliché, mas é verdade: 'É preciso uma tribo para educar uma criança'.  Realmente na sociedade têm que nascer cada vez mais projetos destes, e projetos locais porque os bairros e localidades têm a sua própria identidade. Não podemos querer uniformizar tudo à mesma imagem. É na diferença que está a nossa riqueza. As crianças noutras regiões podem querer outras coisas. Nós estamos num meio urbano, se calhar numa zona rural a questão da horta para as crianças não é tão importante ou não faz tanto sentido. Ou seja, às vezes a cópia é um mau princípio. Nós agora movimentamos também o mercado social e cultural de linda-a-velha, vencedor da 2ª edição do OP. Os nossos miúdos tinham hip hop e percussão até ao 4º ano, mas depois do 4º ano não havia continuidade, e os próprios professores sentiam-se frustrados por não poderem continuar a acompanhar os miúdos.

Assim, nós procurámos um espaço onde pudéssemos dar continuidade. De maneira, que o mercado social e cultural nasceu disso. Eu e o Fernando, de outra Ass.Pais, sentimos que era necessário esse espaço. O Fernando está a frente do Centro Comunitário de Linda-a-Velha. Então fomos ao mercado e vimos que uma ala do mercado que estava abandonada era ótima para esse espaço. Mas aí já não conseguíamos pensar sozinhos, então vamos unir com o Senhor Maia e com o Banco Alimentar que também tinha necessidades. Dinâmica Sénior também precisam de espaço. Unimo-nos e arranjámos um projeto global, para a comunidade, e não só para os nossos miúdos. Assim, mais uma vez Linda-a-Velha, aliás a União de Freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz-Quebrada Dafundo, ganhou cerca de 70% dos projetos. Eram 10 e ganhámos 6 ou 7.

 

E fizeram esse centro no mercado? E funciona?

Está agora em projeto. Mais uma vez foi um projeto que nasceu na escola.

Então para si qual é a importância do OP, acha que é muito importante para que a comunidade tenha ferramentas?

Eu acho que sim, tem é que se repensar nas regras, relativamente à parte da votação. Acho que também deve ser avaliado o mérito técnico dos projetos, e não ser só à base da capacidade de mobilização, para um bom projeto não ficar refém disso.