Victor Espadinha Comemora 60 anos de carreira num Jantar Só Para Dois

Victor Espadinha Comemora 60 anos de carreira num Jantar Só Para Dois

26 fev 2018
  • Cultura
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Victor Espadinha faz sessenta anos como ator. A melhor maneira de os comemorar é em cima de um palco. E o palco é em Oeiras, no auditório Eunice Muñoz sob a direção de Celso Cleto numa peça do espanhol Santiago Moncada, Jantar Só Para Dois. Nasceu a querer pisar os palcos. Diz que foi profundamente influenciado por Jean Gabin, também cantor. Desenganem-se, Victor diz que é ator. Acentua que qualquer ator que se preze deve saber cantar 'ou pelo menos não pode desafinar'. O pai ainda tentou vergá-lo para uma carreira mais 'normal' tentando vestir-lhe a pele de engenheiro agrónomo, mas 'fui o único que não consegui que os rabanetes nascessem'. Ainda bem. Perdemos um engenheiro mas ganhamos um ator versátil, um homem sem papas na língua, que se desnuda com tanta naturalidade que até desconcerta. Hoje dá a pele a Pedro, um homem que não consegue fazer amor, na peça Jantar Só Para Dois que estará em cena até dia 1 de Abril.

 

60 anos de carreira. Tudo são recordações?

(risos) Nem tudo. Eu só recordo o que é bom.

Consegue colocar debaixo do tapete aquilo que não interessa?

Consigo.

Como é que faz isso? Tem alguma técnica que possa partilhar?

Não sei como o faço, simplesmente esqueço. Ou então não esqueço e, simplesmente, não penso naquilo que de mau me aconteceu.

O que é que a vida lhe ensinou?

Tudo. A vida ensinou-me tudo. Aprende-se vivendo. Entre muitas coisas, a vida ensinou-me a ignorar os inimigos. Achamos que amamos e afinal amamos mais um bocadinho. A vida ensina tudo. Há uma canção muito importante para mim, interpretada por um ator - eu sou ator por o ver interpretar quando era pequeno-, que era um francês chamado Jean Gabin. E ele tem uma canção aliás, ele também fazia um disquinho de vez em quando, que me ensinou tudo e que se chama: Maintenat Je Sais. E a canção vai contando a vida dele 'quando eu tinha 20 anos pensava que amava as flores, o champanhe, e eu sabia tudo. Depois, aos 25 anos aí sim, aí é que eu comecei a saber tudo e foi quando conheci fulano tal, fulana tal'. E a canção vai por ali fora e é quando está perto do fim da canção que ele diz ' agora que tenho 60 anos realmente há uma coisa que eu aprendi e isso eu tenho a certeza absoluta e eu não mudo de opinião, eu hoje sei que nada sei'.

E é mesmo assim?

É mesmo assim, exatamente. Esta canção é o meu hino. Sempre foi.

Não acha desconcertante que quanto mais vivemos menos sabemos?

Não é menos sabemos porque sabemos sempre mais. O que é desconcertante é sabermos mais e mais e mesmo assim constatarmos que não sabemos nada. Estamos sempre a aprender. Sabemos mais e mais. E anos e anos a aprender e chegamos ao fim e constatamos que nada sabemos. É um contrassenso.

Quando tem de responder que profissão tem coloca ator ou cantor?

Eu sou ator e ponto final. Todos os atores que são atores e gostam de ser atores deviam ter uma entrada pela música senão não podiam fazer musicais. E eu considero-me um ator versátil. Faço drama, faço comédia e faço musicais.

Nasceu em 1939 e conta com 60 anos de carreira. Como se vive o dia-a-dia quando o tempo que se nos depara pela frente é, naturalmente, menor do que o tempo passado?

(pausa) Não penso muito nisso. Ou melhor, às vezes penso: 'Epah!, comprei um carro e só está pago daqui a quatro anos. Mas nessa altura, se calhar, já cá não estou e vou ficar a dever o resto do carro?'. Ou seja, é nisto que penso. Naquilo que podemos considerar como importante eu não penso. Não penso. Sabe, eu sou muito otimista.

E isso ajuda.

Ajuda. Conheço pessoas, mulheres principalmente, em que aquilo é um drama. Vivem mais um dia, uma semana ou um mês e isso é um drama diário.

Um desassossego

Totalmente. É mais uma ruga, é mais uma mancha…

E o que lhes diz?

Digo que gosto mais delas assim, com essa ruga do que quando não tinham.

É um sedutor?

Não. O segredo é ser seduzido.

Para seduzirmos temos de ser seduzidos?

Em conversa com os meus amigos costumo dizer: 'Imagine uma mulher e um homem. Ele gosta dela mas ela não gosta dele, ele está feito; ele não gosta dela mas ela gosta dele, ele está feito. O poder da escolha é sempre da mulher. Podemos dizer que gostamos mais desta ou daquela, mas os escolhidos somos sempre nós'. E digo-lhe outra coisa, quando estou interessado numa mulher, nunca demonstro.

É romântico?

Sou.

Ainda vivemos numa sociedade machista?

Sim, vivemos.

Culpa das mulheres, também?

Sim, culpa das mulheres. Esta coisa dos assédios acho uma verdadeira anedota. O que não se deve fazer é a violência. É o violar. Agora o assédio? Até lhe digo uma coisa: tomara eu ser assediado!

É um ator conhecido de grande parte da população, seja dos mais novos ou dos mais velhos, qual o seu segredo?

O levar muito a sério o meu trabalho. Eu tenho a escola inglesa. Vivi lá 12 anos e houve um encenador inglês que uma vez me disse: quando estiverem a ver um personagem teu e disserem 'olha o Victor Espadinha', então tu não és ator.  As pessoas têm de ver o personagem, sempre.

Não teve personagens que pela sua imponência ficaram ligadas a si?

Sempre as matei.

E como consegue fazê-lo?

Encarnando outra personagem totalmente distinta.

É quase uma esquizofrenia.

É. Aliás, a personificação de uma personagem é uma espécie de esquizofrenia. Não é uma esquizofrenia científica mas na prática é disso que se trata. Olhe, estou a viver nesta peça [Jantar Só Para Dois, em cena no Auditório Eunice Muñoz até dia 1 de abril] um homem, o Pedro, que não tem tusa. Não tem ereção. É um homem que não consegue fazer amor. Eu, se pensar na minha própria vida, eu não sou aquele gajo. Aliás, sou precisamente o contrário. E faz-me tanta impressão estar a viver este gajo, e ela tenta agarrá-lo, tenta beijá-lo e ele 'ai, chega para lá' e eu não sou nada daquilo mas estou a fazê-lo. E estou a fazê-lo com toda a minha convicção. Toda. Naturalmente que isto é uma esquizofrenia.

Está contente por estar a dar corpo ao Pedro, o homem que não consegue fazer amor, numa altura em que comemora 60 anos de carreira?

Estou. Eu já queria ter feito este personagem há mais de trinta anos. Mas o raio da peça estava enguiçada. E sei que vai ser um grande êxito porque, em teatro, quando há uma peça que está enguiçada, retumba num enorme êxito.

Acha que o teatro voltou a estar na moda?

O teatro nunca morrerá. Fazer uma novela, qualquer pessoa faz. Por muito canastrão que seja, e há tantos canastrões a fazer novelas, aquilo repete e cose e cola e, no fim, tudo fica bem. O teatro é a arte de representar verdadeira. É ali. Está mal, está mal; está bom, está bom.

Sente no ar quando o público não está a gostar?

Sente-se. Sim, sente-se. Tenho tido sorte porque não tenho feito nada que o público não goste, mas é apenas sorte. Trabalhei muito com um colega de que gostava imenso, o Nicolau Breyner e ele, quando fazíamos uma peça em que o público não reagia, dizia: são chineses (risos).

Sempre quis ser ator?

Sempre.

E os seus pais aceitaram?

Conheci o meu pai já eu tinha 17 anos. Ele foi para África tinha eu dois anos. Nunca vivi com a minha mãe mas sim com uma tia. Meus pais separaram-se e foi num tempo em que eramos entregues a um familiar… olhe, aquilo era muito complicado. Eu nunca tive ninguém que me dissesse 'não faças isso'.

Isso é mau, não baliza.

Claro. Sentimos a falta. Vejo as pessoas que sempre tiveram pai e mãe e é diferente… deve ser diferente.

Sempre quis ser ator mas a vida de ator é andar, muitas vezes, no arame.

Eu nunca andei no arame. Sabe, em Portugal acontece uma coisa curiosa que não acontece em mais lado nenhum. Por exemplo, quando eu tinha 20 e tal anos fazia uma peça e tinha um grande êxito e depois, a seguir, ficava desempregado. Fiz no Teatro Capitólio a comédia com o maior sucesso de sempre em matéria de bilheteira e em matéria de público (não estou a falar em termos de qualidade porque nunca fui pseudointelectual) era uma comédia e chamava-se: Mostra-me a Tua Piscina. E ao fim de dois anos de lotação esgotada fiquei desempregado. Isto não dá para entender. É muito estranho. E eu sempre que estava desempregado pirava-me para Londres. Nunca gostei de estar em Portugal desempregado. Ia para Inglaterra, onde tenho família, trabalhava num café, num restaurante, eu sei lá… tive outros trabalhos mas, para mim, o teatro esteve sempre acima de tudo, sempre. Largava tudo quando havia uma personagem para dar corpo e alma.